Danuza Leão na Folha de hoje, com reflexões sobre a percepção quanto à felicidade: você foi, É ou será feliz ?
Delícia de leitura, como todo texto da Danuza.
Eu ? Eu tenho sido e sou o cara mais feliz do universo. Posso ler, ouvir, respirar, caminhar, praticar esportes, estudar e viajar. Tenho todos os membros do corpo intactos, ainda que com a barriga ligeiramente avantajada. Baita tesão, muita imaginação, haja motivação, embora não sobre muito tempo, e sempre falte dinheiro.
Tenho uma família maravilhosa, ainda que a milhares de kms de distância, uma companheira para todas as horas e duas das cachorrinhas mais lindas do planeta. Sempre tive acceso à melhor educação disponível, da pré-escola à graduação, e inclusive agora com o MBA na Univ. da Califórnia em Berkeley.
Trabalho com o que adoro – web, software, vendas, Internet, biz dev, mobile – e ainda sou pago para isso. Tenho no Banco o suficiente para não preocupar com o aluguel no mês que vem, mas não para comprar um iate.
Tenho alguns, poucos, bons amigos (ou ainda, amigas), para todas as horas, apesar da distância. Tenho um bom teto sobre a cabeça, posso viajar o mundo todos os anos, comer em bons restaurantes, embora nenhum deles jamais tenha superado o mexido da minha saudosa vovó Bela, a pamonha da tia Deja, o arroz com suan de mamãe ou o strogonoff de camarão da minha nega.
Se tudo isso não é felicidade na veia, o que mais pode ser !?
Espero que curtam o texto da Danuza.
Fábio, o felizardo
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DANUZA LEÃO
Responda, se tiver coragem
Até porque a felicidade é sempre coisa do passado ou do futuro -ah, como foi bom, ah, como vai ser bom |
VOCÊ É FELIZ? A essa pergunta, tão curta e aparentemente tão simples, ninguém responde rápido, nem que sim nem que não.
A resposta costuma ser tipo “bem, quando penso na situação da maioria dos brasileiros, não dá para dizer que eu seja infeliz”. Não foi essa a pergunta, as pessoas sempre se enrolam.
É difícil mesmo, até porque a felicidade é sempre coisa do passado ou do futuro -depois que o apartamento for comprado, as férias foram maravilhosas, quando a filha se casar, quando arranjar um namorado ou quando me separei, ah, como foi bom, ah, como vai ser bom. Sempre antes ou depois.
As pessoas têm um certo pudor de confessar que são felizes; somos todos supersticiosos, e se queixar um pouco da vida faz parte, para não despertar a inveja dos amigos e a ira dos deuses. E mais: na hora em que se é feliz não se tem consciência do que está acontecendo -complicada, essa tal de felicidade.
O que não se deve é confundir: acontecem às vezes momentos maravilhosos em lugares deslumbrantes, com pessoas incríveis, e se imagina que aquele é um dos grandes momentos da vida, se imagina até mesmo que aquilo é a felicidade. Anos depois, desses momentos só vai sobrar uma foto, se sobrar, e na memória, quase nada; no coração, nem pensar. Bom mesmo é ser feliz e perceber; quando você come um chocolate bem gostoso, é melhor achar bom na hora ou dois anos depois?
Para isso é preciso um certo treino: o dia de hoje, por exemplo, está sendo bom, ruim ou regular? Pense um pouco: aconteceu alguma coisa boa desde que você acordou? Não? Mas nada mesmo? Será? Para começar, você acordou, abriu os olhos e viu a luz do dia; quando abriu a torneira, tinha água, o jornal estava na porta, e os gatos brincando. E mais: com um dia inteiro pela frente, dá para tomar certas decisões, do tipo “hoje vou ser feliz”. Já é um começo.
É bem verdade que às vezes a vida não dá trégua, mas com o tempo a gente aprende a se defender, e uma boa estratégia é evitar qualquer discussão, e dizer sim a tudo. Quando ouvir um “você engordou um pouco”, diga que é verdade, e que está péssima -dizer que está péssima atrai as simpatias gerais. Ache graça em tudo o que disserem e peça opinião sobre tudo: do namorado com quem não sabe se deve se casar ou abandonar para sempre até qual a melhor dieta -o que não quer dizer que vai seguir quaisquer dos conselhos.
Com isso está comprando seu sossego, isto é, sua felicidade, o que não tem preço.
E sua personalidade, suas opiniões, onde ficam? Ora, não há nada mais insuportável do que pessoas que têm opinião; bom mesmo são as que concordam com a gente o tempo todo. E pensando bem, não custa nada dizer sim, sim, sim. Afinal, não é um preço assim tão alto para que todos sejam felizes.
E você? Bem, querer que todos sejam felizes e você também é querer demais, mas mesmo assim, não custa lembrar: ser feliz, ao contrário do que dizem, não é pecado.
PS – O grande escândalo do diretor do FMI me fez pensar. A arrumadeira entrou para arrumar o quarto; ele, que estava no banheiro, abriu a porta (nu) e viu a moça. Imagino que seja preciso um tempo para que o desejo masculino aconteça; tempo suficiente para ela sair correndo (e à visão do personagem em questão, nu, mais correndo ainda). Lembro de Mike Tyson que, anos atrás, convidou uma moça para subir em seu quarto de hotel; ela, pobre inocente, aceitou, depois o acusou de tentativa de estupro, e o lutador foi condenado a seis anos de cadeia. Ah, essa América puritana.
Exelente texto, chamou muito minha atenção, eu definitivamente adorei!